terça-feira, 27 de agosto de 2013

Exposição Símbolos de Fé


Oeiras, situada nos “Sertões de Dentro do Piauí”, possui uma riqueza cultural, histórica e religiosa, traduzida em seus monumentos, nas manifestações de fé e no cotidiano, impregnado de uma mística, proveniente de uma forte religiosidade.

A presença de símbolos dessa fé estão presentes de forma concreta na geografia da cidade, com seus becos apertados, que há séculos presenciam romarias e procissões, e na ereção de ícones da fé católica, cravado nos morros que circundam a cidade. São símbolos provenientes da história da “Velha cidade”, que tem seus dias ordenados pela liturgia da Igreja, implantada nestas terras, no século XVII, quando da criação da Freguesia de Nossa Senhora da Vitória do Brejo da Mocha.

O símbolo num contexto cultural possui valor evocativo, mágico ou místico. Insígnia e formulário de fé das Igrejas cristãs para uso dos fiéis, que usam tal alegoria para retratar uma realidade espiritual, através de sinais e símbolos perceptíveis pelos sentidos. Assim são os estandartes e bandeiras usados nas procissões dos santos padroeiros, e nas grandes festividades religiosas em Oeiras, como forma de devoção.

A flâmula romana que conduz os peregrinos e promesseiros na procissão do Bom Jesus dos Passos, a bandeira do Divino que realça o cortejo e é motivo de reverência pelos devotos, e o estandarte de Nossa Senhora da Vitória, padroeira do Piauí; são exemplos dessa simbologia, que retrata o sagrado e provoca a fé de homens e mulheres no sertão do Piauí. Onde as alegrias e os desafios diários, são vivenciados em cada celebração, pois erguer e seguir uma bandeira ou estandarte do santo de devoção simboliza levantar a bandeira da esperança e da paz.


Visitar a exposição “Símbolos de Fé” é vivenciar a devoção de um povo, que sertanejamente cumpre os dias, na certeza de que a proteção divina caminha com ele, simbolicamente presente na insígnia de seu santo protetor e na louvação traduzida no hino católico: “É bonita demais, é bonita demais, a mão de quem conduz a bandeira da paz”.

Local da exposição: Museu de Arte Sacra - De 14/08 a 30/09 de 2013.
Curadores: Cassandra Yara Lopes Barroso e Pedro Dias de Freitas Júnior

Apresentação do livro: "Arquivo Silencioso"

                                                        


As cidades tem alma, jeito próprio de ser e parecer”. (A. Tito Filho)

Olhando de forma descritiva para a frase, que soa mais como melodia, do historiador e jornalista Arimathéa Tito Filho vislumbro Oeiras, com suas ruas tortas, becos que já presenciaram procissões e cantorias. Praças, sobrados e igrejas que ao longo do tempo foram tornando viva a existência de um povo que através da expressão cultural, do folclore, da fé e religiosidade, foram dando vida à cidade. Uma alma brejeira, telúrica e simplesmente oeirense. Viver aqui é sentir todos os dias o coração pulsante, um saudosismo impregnado, desde então, pois, verdadeiramente Oeiras tem uma alma, composta de fragmentos da intelectualidade, do imaginário coletivo, da religiosidade e da simplicidade do sertanejo que vai de passo em passo na procissão do Bom Jesus.

Ao ser convidado para apresentar o livro: ‘Arquivo Silencioso’, do historiador e amigo Francisco Rêgo, para mim é motivo de honra. E ao receber tamanho convite logo me veio à mente a frase dita anteriormente: “as cidades tem alma...” pois em algumas conversas informais o autor sempre me contava algumas estórias e histórias que compõem as narrativas de seu livro. Aguçando meu imaginário e provocando minha curiosidade de leitor e estudioso sobre Oeiras e sua história.

Ao iniciar a apreciação de Arquivo Silencioso, fui tomado por um desejo de degustar com grande voracidade as páginas deste arquivo, que hoje deixa de ser silencioso e toma voz, pois em cada crônica o real e o imaginário, o mítico e o popular tomam forma, expressando uma narrativa de fatos, estórias e histórias. Algumas ouviu de sua genitora dona Lourdes Portela, outras de alguns velhos oeirenses, de gente espirituosa e criativa, as demais, através de sua vivência como ativista cultural na cidade de Oeiras, quando jovem, bem como pela experiência, estudo e observação do cotidiano.

A capa e a contracapa do livro são ilustrados com fotos da Oeiras de ontem e de hoje, de personagens folclóricos e inesquecíveis, de cenas, monumentos e ruas que foram e continuam sendo cenário de tantas histórias.

O texto de apresentação escrito pelo historiador oeirense Dr. Dagoberto Carvalho Jr., descreve as múltiplas facetas do autor, quando o caracteriza e intitula de multiartista, pois escreve, canta, rege, toca e ainda de forma criativa prepara ao longo dos anos um presépio em sua casa na Rua do Fogo, no período do Natal.

O livro é composto de quarenta e duas crônicas, que traduzem a tradição oral, onde a ficção e a realidade se misturam formando um mosaico de narrativas que hoje fazem parte desse arquivo, não mais perdidos no tempo.

Podemos perceber na crônica: “A Feira”, como espaço de memória e transmissão de saberes, o cotidiano de uma gente que no labor diário, produzia seu sustento e na simplicidade de seus dias eram felizes, no pouco ou muito que conquistavam. Toda a cidade experimentava tal sentimento, transformado pela modernidade e pelo progresso.

Na sua fantasia mítica e folclórica, as crônicas: “A Premedição”, “A Besta-fera”,  “A marmota”, “A onça”, “O cavaleiro” e “Imagem e sombra” são exemplos de sua veia de cronista que como numa teia de relações, provoca o leitor, usando a ficção dentro de um contexto histórico real, descrito com minúncia e cuidado. Demonstrando desde a desilusão dos oeirense com a retirada da capital para Teresina, às superstições que assombravam e que ditavam regras de conduta para o sertanejo, que como diz Euclides da Cunha: “... é antes de tudo, um forte”.

As crônicas expostas neste livro trazem um conteúdo de socialização e moral, demonstrando lições de vida, exemplos de seres humanos que com resignação e coragem tornaram-se ícones de uma geração como a devotíssima “Ana Loiola”, que diante dos percalços da vida e da solidão, foi sinônimo de fortaleza até o fim.

Uma legião de personagens que fizeram história e que povoaram o imaginário coletivo de toda uma cidade ao longo dos anos, estão presentes nesta obra, celebrada em crônicas. “Antônio Bocão”, o ecêntrico que adorava está no centro das provocações; “Bastim de Gersom” o contador de histórias; “Batata Tabaqueiro”, com sua veia artística e sua clausura como a de um monge; “Ciço Cego”, e os famosos e glamurosos bailes; “José Hipólito”, conhecido por todos como Zé de Helena,  jardineiro fiel, garçon e devoto de Nossa Senhora do Carmo. Eurico, na crônica “O Reencontro”, um personagem fértil que com sua irreverência, marcou nossos dias. Além de “Dorête” com seu deboche e forma de ser, bem como tantos “loucos e suas loucuras” não passaram despercebidos aos olhos do autor.

No campo do Sagrado, o escritor demonstra a sua forte devoção pelo Divino tão celebrado em sua família. Na crônica “Festa do Divino”, ele descreve a tradição, dando um enfoque para as mudanças, determinadas pelo tempo. No entanto, a sua devoção se estende à Catedral, a Nossa Senhora da Vitória, aos sinos da velha matriz e ao Bom Jesus, este último mais do que devoção, amor, expressado com toda sua oeirensidade na crônica “Relíquias”. Certa vez ouvi dizê-lo que já havia pensado em deixar Oeiras e morar definitivamente em Teresina, mas sempre voltava atrás, pois não tinha coragem de deixar o Bom Jesus.

A música também está presente na vida do autor. No tempo da mocidade, como jovem idealista compôs com mais quatro amigos, a banda ‘Os Falcões’, relato presente na crônica “Bandolins e bandoleiras”, que narra também os conflitos entre duas bandas rivais no final do século XIX e o dedilhar dos Bandolins de Oeiras, que hoje atua como maestro dessa orquestra, presente nos eventos religiosos, cívicos e culturais da cidade.

A religiosidade do autor, marcante na obra, é na realidade proveniente de uma herança familiar, pois descende de um sacerdote que está presente nos annales da história de nossa terra: “Padre Freitas”, uma crônica fantástica, logo que recebi o livro comecei a folhear e deparei-me com provocante texto que mostra a personalidade de um homem de fé, que contrariando o celibato clerical deixou uma prole de descendentes, que continuam fazendo história e vivendo Oeiras.

“O Báculo” e “O Cônego” são crônicas que historicizam a obra, revelando fatos e desnudando a história a partir da reconstrução da memória, dentro de um foco de pesquisa e estudo, análise e investigação. Ainda dentro dessa vertente, destacamos “O Tombo dos tombados”, onde o autor critica o desaparecimento de monumentos e tradições; “O lajedo do samba” e o “Quilombo”, onde o pano de fundo é a escravidão, presente em Oeiras, no período colonial, que a exemplo das cidades coloniais do Brasil, encontrou resistência por partes dos escravos, que lutavam por liberdade e dignidade. A prepotência dos poderosos descrita de forma folclórica no texto “O manto”, vem reforçar a ideia de que, somente uma ação feita de forma sincera agrada as divindades.

De forma lúdica, o autor revela seu saudosismo, representado nas crônicas: “Pirulitos e queimados”, “Roubando panelas”, “As lavadeiras do mocha”, “Visitando presépios”, os encantos e lendas da “Rua do Fogo”. Além do mistério que envolve a crônica “O Banho”. Quem viveu Oeiras nesse tempo áureo, experimentou os queimados, ainda presentes na festa de Nossa Senhora da Conceição, banhou-se nas águas cristalinas do riacho de onde tudo começou, e vivenciou durante o mês de dezembro a confecção e visitação aos presépios que enfeitavam os casarões no centro histórico.

Na crônica que deu nome ao livro: “Arquivo silencioso”, o autor diz que todo um passado vivo e vivido, está arquivado e plantado na terra. Mesmo transformado em pó, a história teima em existir, pois como diz o historiador português Alexandre Herculano, que tive a honra de visitar seu mausoléu no Mosteiro dos Jerônimos em Lisboa – Portugal é preciso “guardar a memória, viver a história”.

Toda essa memória, expressada em narrativas, pelo escritor Francisco Rêgo, traduz o cotidiano, a cidade, homens e mulheres, personagens reais e folclóricos que não ficaram escondidos nos beirais que o tempo encarregou de ruir, mas projetaram-se como peças fundamentais de uma história, que hoje se torna presente na obra que ora apresento.

Parabéns historiador e escritor Francisco Rêgo pela obra, pela sensibilidade de artista com que escreveu ‘Arquivo silencioso’. Hoje você presenteia a literatura oeirense com tão representativo livro, engrossando as fileiras dos escritores desta terra e fazendo história. Viver, falar e escrever sobre Oeiras nunca se esgota, pois como nos diz o poeta Elmar Carvalho: “Oeiras navega na noite de um tempo que não termina”.

Muito obrigado!

*Pedro Dias de Freitas Júnior é professor de História, Jornalista e Membro efetivo do Instituto Histórico de Oeiras.